Sec. Mulheres:

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

2009 e as ´Políticas Públicas para as Mulheres

Ministra Nilcéa Freire diz que debate do aborto marcará 2009
Luciana Abade, Jornal do Brasil
BRASÍLIA - Em 2008, a Lei Maria da Penha esteve em destaque pela discussão sobre sua aplicabilidade em caso de ex-companheiro, principalmente pelos vários casos de seqüestros de ex-companheiras que terminaram em tragédia. O Supremo Tribunal Federal debateu o aborto de anencéfalos e a Câmara dos Deputados antes de apagar as luzes autorizou a criação da CPI do aborto. Por tudo isso, a ministra Nilcéa Freire, há cinco anos à frente da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, faz um balanço positivo do ano que teve o direito das mulheres e a violência contra as mesmas no centro das discussões.

Como a senhora recebe a proposta do presidente Lula de transformar a Secretaria Especial de Política para as Mulheres em ministério?
Com muita alegria. Por duas razões. Para nós, do ponto de vista prático, se é secretaria ou ministério não faz diferença. A importância está no reconhecimento da secretaria dentro do governo, principalmente porque muita gente questionou a criação dela. Do que a gente é chamado não importa, mas hoje existe a clareza que se você não tiver um órgão que coordene as questões que são estratégicas das mulheres, as outras políticas não se apropriarão disso. Não adianta dizer que a saúde ou a justiça pensam em políticas para as mulheres. Se você não tem um órgão que esteja formulando em contato com a sociedade, isso acaba se diluindo dentro do governo. Quando a secretaria foi criada, a gente não sabia exatamente o que ela seria. Hoje ela cumpre um papel importante e nós temos relação com os governos do país inteiro. Fizemos uma parceria com o IBGE e todas as pesquisas nacionais e domiciliares terão recorte de gênero. Vamos melhorar a qualidade da pesquisa no nosso país. Além de beneficiar a sociedade, beneficia os governos que passarão a ter políticas mais eficazes nessa área.
A Lei Maria da Penha esteve em destaque durante todo o ano, mas a resistência a aplicabilidade dela ainda persiste. Por que?
Qualquer lei até que seja assimilada pela sociedade e por quem tem que aplicá-la leva um tempo. Nesse caso temos uma dificuldade adicional: a resistência da cultura machista e patriarcal. Estamos avançando, mas essa cultura persiste. E por isso temos tanto assassinatos de mulheres. O caso Eloá é um exemplo. Tantas justificativas de que o assassino era apenas um rapaz apaixonado. Como se a paixão de um homem por uma mulher ainda pudesse justificar o uso da força. A gente ainda tem resistência no Judiciário também. Essa é a má notícia. A boa notícia é que o STJ foi capaz de reformular uma posição que tinha tomado e decidiu que a lei é clara e ex-companheiro pode ser enquadrado nela porque continua tendo uma relação próxima com a vítima. Quando há o rompimento da relação, em geral, é que acontecem as tragédias. Esse ano foi o ano de uma discussão muito intensa. Aumentamos consideravelmente o número de varas especializadas e prevemos que a partir de 2009 a aplicação da lei será ainda mais positiva.
O que está faltando para a mulher que já se destaca no mercado de trabalho e começa a chefiar a própria casa se libertar do companheiro agressor?
As mulheres ocupam vários postos de trabalho mas, da porta de casa para dentro, elas continuam apanhando. Você cria leis e define ações, mas não muda a cultura por decretos. Um exemplo disso é o último retrato das desigualdades de gênero mostrando que, nos últimos anos, aumentou dez vezes as famílias compostas por casais e chefiadas por mulheres, o que não significa que haja na mesma proporção homens compartilhando de tarefas domésticas. É um retrato cultural que vem mudando, mas em uma velocidade muito inferior a desejada. Para além das políticas concretas, precisamos fazer campanhas como a dos homens unidos pelo fim da violência contra as mulheres. Precisamo mostrar que a desigualdade não beneficia ninguém e prejudica a sociedade. Essa desigualdade dentro de casa faz com que todo mundo perca. Homens e mulheres que não compartilham tarefas perdem a oportunidade de fazerem as coisas juntas e terem tempo livre para estarem juntos. Os homens perdem o desenvolvimento dos seus filhos e são tempos que não voltam. É preciso incluir os homens no debate. Temos que avançar culturalmente e trazer os homens para o debate.Como a secretaria recebeu a proposta de criação da CPI do aborto?Muito mal. Fomos ao presidente Chinaglia porque achamos que essa CPI não tem objeto nenhum. Qual a base de investigação? Mais nos parece o resultado da pressão de deputados de perfil muito conservador. Eles têm todo o direito de serem conservadores, mas não podem impor suas convicções para a sociedade fazendo delas políticas de Estado. Nos parece mais um processo inquisitório de criminalização das mulheres do que verdadeiramente a vontade de colocar em pauta essa discussão sobre aborto de uma maneira desapaixonada, racional que prejudica a tantas mulheres no nosso país. A CPI é inadequada, anacrônica e não terá resultados que possa beneficiar ninguém. Esperamos que muitos, alguns desavisados que não se lembravam de ter assinado o requerimento de instalação, que assinaram sem olhar no final de alguma sessão plenária, retirem a assinatura e que essa CPI não seja instalada. Qual a grande dificuldade de avançar com as políticas de planejamento familiar e também com algumas questões específicas da saúde da mulher?Temos avançado, mas ainda perssistem barreiras importantes porque a sociedade brasileira é recortada por segmentos religiosos que fazem muita pressão. Ainda temos várias prefeituras que fazem leis específicas para impedir a distribuição da contracepção de emergência. Uma prefeitura em São Paulo, por exemplo, fez uma lei para impedir a distribuição de dispositivos ultra-uterino (DIU). Querer legislar sobre o corpo da mulher é uma coisa da Idade Média. Essas políticas da área do direito sexual e reprodutivo enfrentam muitas dificuldades. Ano que vem vamos entrar com muita força lá no Ministério da Saúde na ampliação dos serviços de atendimento às mulheres vítimas de violência sexual e nos serviços para a realização do abortamento legal. Muitas das mulheres que recorreram aquela clínica em Mato Grosso do Sul teriam direito a fazer o abortamento legal, mas não havia nenhuma instância de saúde apta para isso. O julgamento sobre o aborto de anencéfalos pelo STF no ano que vem fará história nesse país. As audiências públicas sobre o tema realizadas esse ano já foram um avanço. A secretaria levantou a bandeira da licença-maternidade de seis meses. Mas, diferentemente dos órgãos públicos, as empresas ainda resistem à idéia...As empresas vão se adaptar. Até porque as mulheres começam a demandar dos sindicatos que essa questão seja incluída na pauta das negociações coletivas de trabalho como direito. O governo fez o dever de casa, agora fica mais fácil cobrar. Ao contrário dessa discussão que a licença ampliada tira a mulher do mercado de trabalho, nós afirmamos que ela, enfim, começa a caminhar na direção da co-responsabilidade de Estado e sociedade naquilo que são as tarefas da reprodução do viver. Se nos primeiros seis meses a criança precisa da presença da mãe, não pode ser só ela a arcar com isso.
Já que co-responsabilidade é a palavra de ordem, a licença-paternidade não deveria ser ampliada?
Queremos discutir essa ampliação. E talvez seguir alguns exemplos de outros países. Na Alemanha, depois daquele período quase mandatório de que seja a mulher a ficar com a criança, o casal pode escolher quem fica de licença. Se eles decidirem que a mãe tem uma maior necessidade de voltar ao mercado de trabalho, o pai fica em casa. Há muitas possibilidades de pensar nisso. Muitos pais, principalmente os mais jovens, têm reinvindicado o direito de estar mais com os filhos. A guarda compartilhada e a pensão para gestantes foram outras vitórias esse ano que evidenciam a importância da co-responsabilidade.
A secretaria lançou esse ano o mutirão para revisar o processo das presidiárias. E o que pretende fazer para resolver a questão dos filhos delas que estão crescendo dentro cárcere?
O bebê pode ficar enquanto estiver amamentando, geralmente sei meses. Mas deve haver um local adequado para a detenta ficar com o filho. Nós desenvolvemos uma planta básica. A partir de agora, qualquer financiamento para melhorias em presídios femininos só será atendido mediante cumprimento dessa planta base.
Apesar de todos os avanços, a questão da trabalhadora doméstica continua emperrada...
Você junta dois processos de desigualdade que estruturam a exclusão da sociedade brasileira: o resquício da mentalidade escravocrata e a desigualdade de gênero. A questão econômica é contaminada por isso. Veja bem, quando você discute a jornada de trabalho para a trabalhadora doméstica, você escuta as pessoas dizerem “ah mais eu não posso pagar hora extra”. Por que alguém no terceiro milênio tem que trabalhar mais que oito horas por dia no serviço doméstico? Será que essa pergunta feita pelas pessoas não é resquício lá da casa grande? A trabalhadora tem que ficar a serviço do patrão até o último cafezinho? Quem quiser isso vai ter que pagar hora extra mesmo. Temos a proposta de encaminhar uma PEC para o Congresso
Nacional, mas ela enfrenta muita resistência. Nós não encaminhamos esse ano porque não conseguimos ainda ultrapassar algumas resistências.
Fonte: Site da Secretaria de Políticas Publicas para as Mulheres

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